Casal em momento de reflexão

Na mitologia grega, Sísifo era considerado o mais astuto dos mortais e que, ao enganar a morte por diversas vezes, conseguiu morrer de velhice. Na ocasião de sua morte, foi condenado como um grande rebelde, assim como Prometeu (que deu a dádiva do fogo aos homens mortais).

Sísifo rolando sua pedra morro acima

Sua pena consistia em rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estivesse quase alcançando o topo, a pedra rolaria novamente montanha abaixo até o ponto de partida por meio de uma força irresistível. Ele havia sido condenado a se repetir por toda a eternidade.

 E o que você tem a ver com isso?

 Primeiro de tudo, o que te basta: A segurança do lar, a confiança dos amigos, a certeza do salário no fim do mês? Ou talvez a convicção de que você está fazendo o melhor por si, pelos outros e pelo mundo? Somos apenas grãos de areia no universo, embriagados por nossos ideais: como queríamos que fossem as nossas relações com todos ao nosso redor.

 Quantas de nossas relações são reprises do que já vivemos?

papéis amassados pelo chão

“Fulano é traiçoeiro igual Sicrano. Não dá pra confiar em Beltrano, ele é tóxico que nem Fulano foi com a minha prima”. É comum nos depararmos revisando o passado, categorizando personagens com base em suas similaridades com pessoas que marcaram nosso caminho e partiram antes que pudéssemos virar a página.

Essa página, marcada por rasuras, amassos e repleta de asteriscos, ressalvas, anotações e lembretes de “revisar este conteúdo”, representa as mágoas não esclarecidas, as perguntas sem respostas, os adeus prematuros, os tropeços, os descuidos e as palavras que, ensaiadas em nossa mente, jamais foram ditas.

Essa revisão constante, como um fantasma que nos assombra, alimenta a repetição dos erros que nos trouxeram àquela situação. Buscamos, em vão, reescrever uma história já contada, na esperança de deitar a cabeça no travesseiro com a consciência mais leve e a vontade de sonhar intacta. Não queremos nos responsabilizar pela parte ruim das nossas histórias!

 Talvez o passo mais árduo na jornada do amadurecimento seja sairmos do nosso próprio caminho. A ilusão da racionalidade absoluta nos leva a criar um mundo à nossa medida, onde “dessa vez será diferente”. Para amadurecer, é crucial romper com esses padrões repetitivos. Reconhecer que nossas ações, mesmo com boas intenções, podem ter consequências negativas é fundamental. Assumir a responsabilidade por nossos erros, sem culpa ou autopunição, nos permite aprender e evoluir.

Relacionamentos são complicados!

Um relacionamento anterior, que terminou por incompatibilidade de gênios, não se difere tanto assim de um em que, apesar das diferenças, os conflitos frequentemente terminam sem diálogo, varridos para debaixo do tapete. Uma amizade desfeita por um mal entendido se assemelha a outra em que aos poucos os amigos param de se falar e se tornam estranhos.

pessoa triste num sofá

 O que há em comum nesses exemplos não é o parceiro romântico ou o amigo. É você, buscando um desfecho diferente para atitudes e comportamentos idênticos. Algo dentro de você ainda não está compreendido e você segue permitindo que tudo se resolva da mesma maneira de sempre, onde você sai ferido. Usando uma frase que minha mãe sempre me dizia, “tudo que entra, sai. E se não mastigar direito, sai mais fedido” (só com o tempo descobri que ela não estava se referindo à digestão).

 

Seja qual for a situação de conflito, precisamos primeiro tentar identificar suas raízes internas: Por que isso me incomoda? Qual é a solução que eu estou buscando? O que essa solução vai realmente consertar? Qual a origem do incômodo que essa situação está me causando? Somente assim poderá existir a segurança de não estarmos nos sabotando, repetindo a história e dando motivos para sofrermos de novo e sempre pelo mesmo motivo.

 

Tomar decisões conscientes sobre o direcionamento que damos às relações dá trabalho e é impossível conseguir acertar sempre. Porém, faz parte da nossa evolução pessoal aprender a aceitarmos a nós mesmos e aos outros. Friedrich Nietzsche, em seu livro “A Gaia Ciência”, indaga sobre qual seria a sua reação ao se deparar com a possibilidade de reviver sua história inúmeras vezes, pela eternidade. Você entraria em desespero ou ficaria feliz? Como a consciência de ter que reviver infinitamente cada instante já vivido até hoje pesaria sobre suas escolhas?

“E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência – e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!’. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’ Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: ‘Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?’ pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” (Nietzsche, 1882) 

Quando a atribuição da responsabilidade sobre as nossas conquistas reside exclusivamente em nós mesmos, enquanto a culpa dos fracassos recaem sobre os outros, estamos deixando de fazer o esforço de compreender quem estamos sendo nas relações que estabelecemos. Estamos deixando de olhar para a criança em nosso interior que, assustada e temerosa, somente quer ser compreendida.

A saída então pode ser aprender a identificar o personagem que atribuímos a cada pessoa que entra nas nossas vidas e seu objetivo em nossa história. Nem sempre é fácil, nem sempre queremos ter esse trabalho e é exatamente por isso que nos repetimos.

Somos os mesmos e viveremos como nós mesmos. E estamos livres para escolher quem seremos!

Categories:

Tags:

No responses yet

    Deixe um comentário

    O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *